A pesquisa trabalhou com dados dos últimos 40 anos e identificou que há, no Brasil, muito mais pontos de seca e de cheia do que se esperava. “Percebemos um aumento dos extremos e que o manejo da terra está impactando e amplificando o efeito da mudança climática”, destaca Chaffe. “A maior parte do Brasil está secando por causa da mudança de regime de chuvas e aumento do uso da água, com impacto também da cobertura florestal. Tanto o aumento de secas, quanto das cheias traz preocupação”.
As descobertas são parte do doutorado de Vinícius Chagas, orientando de Chaffe, e também tem a co-autoria do professor Günter Blöschl, da Universidade de Viena, na Áustria. Os cientistas analisaram um conjunto de dados disponíveis em 886 estações hidrométricas e cruzaram com indicadores sobre chuvas, cobertura de solo e uso de água.
“Em Santa Catarina, por exemplo, a aceleração do ciclo foi detectada no litoral e no extremo oeste. Apesar de o Estado ter em média mais água disponível ao longo do ano, o litoral e extremo oeste estão ficando cada vez mais suscetíveis a curtos episódios de secas”, explica o professor.
O estudo propõe uma classificação quanto ao aumento dos extremos. O processo de aceleração hídrica – que reúne tanto os dados de inundações mais severas quanto de secas – está relacionada a chuvas mais extremas e desmatamento e ocorre em 29% da área de estudo, incluindo o sul da Amazônia. A pesquisa é parte de um esforço do Laboratório de Hidrologia da UFSC em investigar quais bacias hidrográficas são mais sensíveis a mudanças climáticas para se pensar no planejamento e gestão de recursos hídricos.
O conjunto de dados coletado pelos pesquisadores foi também analisado considerando quatro grandes regiões a partir das suas semelhanças: Sul e Norte da Amazônia e Sul e Sudeste do Brasil. Estes hotspots foram delimitados a partir de suas características semelhantes: no Sul do Brasil e norte da Amazônia foi constatada mais disponibilidade de água por conta do volume de chuvas e cheias. Já o Sudeste está ficando mais seco, processo explicado pelo aumento no uso da água, o que está relacionado à atividade humana.
No Sul da Amazônia, outro dado chamou a atenção: naquela região, as mínimas diminuíram e as máximas aumentaram. Como o padrão de chuvas não mudou, é possível que a aceleração hídrica tenha sido causada por conta da mudança na cobertura vegetal. “Essa aceleração pode levar a grandes impactos na produção global de alimentos, no ecossistema saúde e infraestrutura”, resumem os cientistas no artigo.
Disponibilidade hídrica
Publicidade
A questão geral dos trabalhos realizados no laboratório diz respeito à vazão e disponibilidade hídrica no Brasil. “Os extremos estão mudando – tanto as cheias, quanto as secas. Uma das causas é o volume das chuvas, mas o uso da água também faz com que isso mude, assim como a cobertura da vegetação”, reitera o professor.
Ainda segundo ele, a aceleração do ciclo hidrológico geralmente é analisada por climatologistas com base em dados de chuva e evaporação, porém, no continente esses fluxos são modulados pelas Bacia Hidrográficas. “Nós sabemos que tanto a cheia quanto a seca são afetadas pelas mudanças climáticas, que aumentam esses extremos. Porém, precisamos entender como as características da bacia hidrográfica afetam o que acontece na parte terrestre do ciclo hidrológico”.
O estudo conclui que a menor quantidade de água disponível na seca também está relacionada ao aumento do uso da água, fator que chamou a atenção dos pesquisadores na região Sudeste, por exemplo. “A disponibilidade hídrica também é resultado das mudanças climáticas e no Brasil nós vemos esse fenômeno de aceleração hídrica, que é o aumento dos dois extremos: cheias e secas mais intensas”, indica.
“Nossos dados mostram que as mudanças de vazão têm sido generalizadas no Brasil. Secas ainda mais intensas podem ser encontradas no sul da Amazônia e no sudeste do Brasil, enquanto aumento das cheias podem ser encontrados no norte da Amazônia e no sul do país”, sintetizam os autores.
O estudo também aponta que, no Planalto Central, as secas ficaram pelo menos 48% mais intensas nas últimas quatro décadas. Em Santa Catarina, o fenômeno é oposto: há mais cheias, com dados que demonstram que elas são 18% mais intensas do que no passado. Também no estado, uma cheia que acontecia a cada 100 anos, em média, agora ocorre a cada 70 anos. No geral, os indicadores apontam o fenômeno em todo o território nacional, com mais secas e menos cheias em 42% do Brasil, principalmente na região da expansão do agronegócio. Ainda, na região da Bacia do Rio Doce, onde houve recentes desastres no estado de Minas Gerais, percebe-se o aumento da sazonalidade do clima, com mais chuva durante estação chuvosa e menos chuva na estação seca.
Comentários: