A Defensoria Pública da União (DPU) marcou presença por meio dos defensores públicos federais Igor Roque, indicado pelo presidente da República e já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado para ser o novo líder da Instituição nos próximos dois anos, e Renan Sotto Mayor, defensor regional de Direitos Humanos no Mato Grosso.
"Se tem um lado bom de ser defensor, é porque a gente pode falar, é porque a gente pode dizer o que pensa, é porque a gente pode mostrar o nosso lado. E eu aproveitei essa oportunidade de vir aqui para reafirmar publicamente o compromisso da Defensoria Pública da União com os povos indígenas do nosso país. (...) A Defensoria Pública tem uma missão constitucional e nós vamos seguir e cumprir essa missão constitucional. (...) A Defensoria Pública tem um lado. A Defensoria Pública tá do lado do negro, tá do lado do pobre, tá do lado do indígena, tá do lado da mulher, tá do lado do vulnerável. Essa é a nossa pauta”, afirmou Igor Roque à uma plateia atenta.
“A nossa Constituição Federal de 88 não deixa dúvida, ela é clara. Ela garante a terra, ela garante o território indígena. (...) O constituinte de 88, para trazer uma maior segurança à população indígena brasileira, ressalvou de maneira expressa, no artigo 231 da nossa Constituição, o direito à terra pelos indígenas. E a Defensoria Pública da União vai fazer valer este artigo, vai fazer valer esse direito”, explicou o defensor. “E se internamente a gente não conseguir garantir o cumprimento desse direito aos povos indígenas brasileiros, a Defensoria Pública da União vai pra fora. A Defensoria Pública da União vai na Comissão Interamericana de Direitos Humanos pra garantir esse direito que é dos povos originários, dos povos indígenas brasileiros”, completou.
“A nossa Constituição garante o direito originário dos povos indígenas ao território e o texto constitucional foi fruto de grande mobilização dos povos indígenas. Muitos dos presentes neste encontro foram até Brasília durante a constituinte, como o Cacique Raoni, Megaron, tantos outros. Eles foram lá e colocaram na Constituição os artigos 231 e 232”, disse Renan Sotto Mayor. “E a DPU vai sempre estar junto porque a gente tem essa função: de defesa de direitos humanos”, completou.
“Esse é um momento muito bonito e emocionante, com lideranças indígenas do Brasil inteiro, buscando reafirmar os direitos dos povos indígenas e a Defensoria Pública da União tem uma missão central nessa pauta de defesa dos direitos humanos dos povos indígenas”, concluiu Renan.
O evento
Mais de 800 pessoas, incluindo lideranças indígenas de 54 povos, compareceram ao evento promovido pelo cacique kayapó Raoni Metuktire, mundialmente conhecido pela sua luta pela preservação dos direitos dos indígenas e pela defesa da Amazônia. A reunião teve por objetivo debater as mudanças climáticas e o marco temporal.
Do dia 24 ao 26, as atividades foram realizadas pelos e para os povos indígenas. Nos dias 27 e 28, aconteceram as participações dos convidados. Na tarde de quinta (27), o defensor regional dos Direitos Humanos no Mato Grosso Renan Sotto Mayor fez parte da mesa “Processos de resiliência: Conhecimento histórico e político do movimento indígena”, ao lado do indigenista Sydney Possuelo, da antropóloga Lêda Leitão Martins e do cacique kaiapó Megaron Txucarramãe, um dos mais importantes líderes indígenas do País.
Além dos defensores públicos federais, o “II Chamado do Raoni” contou ainda com as presenças da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e da presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana.
O evento foi um momento de reflexão sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de luta contra o marco temporal e de reivindicação de atitudes dos Três Poderes do Estado brasileiro contra as mudanças climáticas e seus efeitos, mas também foi marcado por boas notícias.
A presidenta da Funai Joenia Wapichana anunciou que a autarquia aprovou os estudos de Identificação e Delimitação da Terra Indígena (TI) Kapôt Nhĩnore. Localizada nos municípios de Vila Rica e Santa Cruz do Xingu, ambos no Mato Grosso, e São Félix do Xingu, no Pará, a TI abriga a aldeia onde o cacique Raoni Metuktire nasceu e é uma área sagrada para o Povo Kayapó. Nos próximos 90 dias, o documento estará aberto para contestações. Após este prazo, a Funai vai analisar os possíveis questionamentos e encaminhar o pedido de homologação da TI ao Ministério da Justiça. Os Kayapó reivindicam o território desde o começo da década de 1980. Atualmente, a maior parte do território é ocupado por fazendas.
Já a ministra Sônia Guajajara anunciou que 32 Terras Indígenas foram mapeadas para que ações de desintrusão – retirada de quem não é originário – sejam feitas até o final do ano. Ela disse que, neste ano, já foram homologados seis territórios e lembrou que, em dez anos, foram homologadas apenas 11 terras. A ministra afirmou que pretende ampliar esse número nesta gestão. Sônia também adiantou que, no dia 09 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas, mais terras devem ser homologadas ou estudos abertos.
O Manifesto
A primeira edição do “Chamado do Raoni” aconteceu em janeiro de 2020, antes da pandemia. Daquele primeiro encontro, saiu uma carta de compromisso das lideranças, intitulada “Manifesto do Piaraçu”. O evento deste ano gerou um novo documento, uma carta com reivindicações sobre o marco temporal, mudanças climáticas e ações do ser humano sobre a natureza.
No “Manifesto do Chamado do Cacique Raoni Metuktire - Grande Encontro das Lideranças Guardiãs da Mãe Terra”, 54 povos indígenas do Brasil pedem que o Estado brasileiro se posicione concretamente contra o marco temporal até o dia 09 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas. Além disso, no documento, são cobradas ações contra os impactos das mudanças climáticas e pela aceleração da demarcação de Terras Indígenas.
Íntegra do manifesto:
Manifesto do Chamado do Cacique Raoni Metuktire “Grande Encontro das Lideranças Guardiãs da Mãe Terra”
Aldeia Piaraçu, 26 de julho de 2023
Assunto: Posicionamento contrário ao Marco Temporal e a favor da defesa dos direitos dos Povos Indígenas
Nós, lideranças indígenas, representantes de 54 Povos Indígenas dos seis biomas brasileiros, atendendo o Chamado do Cacique Raoni Metuktire, na aldeia Piaraçu Terra Indígena Kapot-Jarina, MT entre os dias 24 a 28 de julho de 2023, exigimos do Estado Brasileiro uma posição concreta sobre o Recurso Extraordinário 10.17365/SC popularmente chamado “Marco Temporal”, Estamos muito preocupados com a situação territorial não somente dos povos indígenas que habitam a região amazônica, mas também das demais regiões do Brasil e do mundo.
O Marco Temporal tem uma interpretação que desconsidera nossa realidade histórica e cultural, além de violar tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Declaração dos Povos Indígenas da ONU, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante a consulta livre prévia e informada, além de afirmar a obrigação do governo em reconhecer e proteger os valores e práticas tradicionais, culturais e espirituais próprias dos Povos Indígenas. Ao restringir a demarcação apenas as Terras Indígenas que estavam estabelecidas antes de 5 de outubro de 1988, ignora nossa memória e história por ações de colonizadores, latifundiários e empreendimentos econômicos de deslocamentos forçados, violências, massacres e expulsões vividos em nossos territórios tradicionais o que resultou em perdas irreparáveis para nossas culturas e modo de vida.
Por tempos imemoráveis, nós Povos Indígenas, temos sido guardiões e guardiãs das florestas, dos rios, do ar e dos animais das terras por onde nossos ancestrais caminharam. Essas terras representam não apenas nosso lar, mas também nossa identidade cultural, nossas tradições, ciência que sempre existiram de forma conjunta e equilibrada com a natureza. É fundamental compreender que a posse dessas terras não se trata apenas de um aspecto material, mas de um elemento essencial para a nossa existência.
A aplicação do Marco Temporal teria como consequência a exclusão de milhares de indígenas de nossos territórios tradicionais, comprometendo nossa subsistência, nosso modo de ser e nossa autodeterminação como Povos Indígenas violando nossos direitos já garantidos. Além disso, abriria precedentes para a invasão e exploração de nossas terras por interesses econômicos que afetam não apenas nós, mas que de acordo com pesquisa feita pelo IPAM, 55 milhões de hectares de áreas nativas serão destruídos e que 20 bilhões de toneladas de CO2 serão emitidos.
Diante dessa realidade, exigimos dos três poderes da República que:
- O Ministério da Justiça cumpra com o seu papel de demarcar as Terras Indígenas, dando prioridade às Terras Indígenas judicializadas e em situação de risco, como por exemplo no caso dos territórios dos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul.
- A desintrusão imediata de todas as Terras Indígenas já demarcadas e homologadas, não se restringindo apenas aquelas que se encontram na DPF 709, como por exemplo a T.I Urubu Branco, T.I Rio dos Índios e tantas outras que se encontram na mesma situação. Demandamos que os órgãos competentes cumpram a legislação garantindo sua proteção, monitoramento e fiscalização.
- Proteção permanente de nossos direitos que estão previstos em lei e tratados internacionais, de todas as Terras Indígenas independente do governo que esteja a frente do Estado.
- Respeite e cumpra o direito a Consulta Prévia, Livre e Informada conforme os Protocolos Autônomos dos Povos Indígenas sobre todos os empreendimentos que afetam seus territórios. Queremos ser consultados em todas as suas fases, desde o planejamento para evitar assédios, cooptação e geração de conflitos de interesses entre as comunidades indígenas e que como Belo Monte, tenham suas condicionantes cumpridas com os povos impactados.
- Que a mineração no entorno e dentro dos nossos territórios respeitem todos os direitos dos Povos Indígenas e não sejam licenciados antes da construção e aprovação do Plano Base Ambiental do Componente Indígena. Exigimos que os empreendimentos que atropelaram os processos legais de licenciamento, sejam embargados e nos casos de PBA autorizados, as organizações indígenas devem ser as executoras desses recursos. Exigimos que sejam destruídas todas as formas de garimpo, expulsos os invasores e responsabilizados seus financiadores. Que seja garantido aos Povos Indígenas impactados pela exposição ao mercúrio a testagem em massa, o acesso ao tratamento da saúde e a segurança alimentar.
- Que todo e qualquer arrendamento ou parceria agrícola dentro de nossas Terras Indígenas seja condenado por ser inconstitucional e foge do modelo de sustentabilidade cultural, fortalecendo o agronegócio que causa destruição dos nossos territórios, conflitos internos, expulsões e mortes do nosso povo. Exigimos que o arrendatário, o maior responsável pela destruição de nossos territórios, seja punido de acordo com todos os crimes praticados.
- Seja assegurado aos povos indígenas o conhecimento e entendimento sobre o que é o Mercado de Carbono no Estado Brasileiro e os impactos aos nossos territórios. As atuais negociações existentes no mercado de carbono devem ser anuladas, pois não respeitam a especificidade e os direitos dos povos indígenas e a biodiversidade de seus territórios. É necessário à garantia da participação dos povos indígenas dos seis biomas brasileiros na construção de uma legislação justa, obedecendo nossos direitos originários, constitucionais e internacionais.
- Fortaleçam e estruturem institucionalmente, garantindo a ampliação do orçamento para o Ministério do Povos Indígenas – MPI, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas – FUNAI, o Instituto de Brasileiro de Meio Ambiente – IBAMA; o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade – ICMBio; a Defensoria Pública da União – DPU; o Ministério Público Federal – MPF, a Secretaria de Especial de Saúde Indígena – SESAI, e que seja criada a Secretaria Especial de Educação Escolar Indígena no Ministério da Educação – MEC.
- Seja realizado de caráter de urgência concursos para servidores da FUNAI e SESAI para uma reestruturação da equipe que realmente atue a favor dos direitos dos povos indígenas, garantindo vagas para indígenas.
- Seja revogado as portarias que afetam os nossos direitos e que não tiveram a consulta devida, como por exemplo a 60/2015.
- Seja destinada para os Povos Indígenas as florestas públicas não destinadas, de acordo com uso e costumes de cada povo.
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