A casa de tijolinhos rústicos alinhava-se ao propósito dos moradores, que buscavam a simplicidade no viver. Àquela época do ano, a fachada iluminava-se com pisca-piscas natalinos. A decoração se estendia ao interior da residência, onde uma imensa árvore fora decorada com capricho; os presentes jaziam ao pé dela, esperando o momento propício para serem distribuídos. Um aparador, ao canto, exibia porta-retratos com momentos vividos pelo casal – hábito adquirido depois que enfrentaram uma tormenta que se prolongou por longos meses até que amainasse. Ele temeu que ela não conseguisse extirpar a dor, mas confiou e esperou que a companheira sentisse com toda a intensidade. Havia esperança em seu coração. Por fim, ela escolheu o amor e emergiu da tempestade na qual sua alma havia mergulhado. Ali, num momento partilhado apenas pelos que se reconhecem de verdade, selaram um acordo sem palavras, algo tão forte que os uniu por toda a vida. Depois de tudo, decidiram registrar mais experiências, conservando o hábito de manter fotografias e
souvenirs de viagem pela casa.
Em meio à profusão de porta-retratos, um olhar mais arguto se deteria numa imagem de um casal sorridente; no canto inferior esquerdo, com uma caligrafia apagada pelo tempo, ainda se podia ler “de novo é abril”. Nos anos que se seguiram, aquele casal construiu memórias, realizou sonhos, consolou-se mutuamente nas adversidades da vida. Juntos, adotaram um cachorro; depois outro, e outro. Naquele lar havia harmonia, amor, flores e alegria de viver.
Numa noite, o vento soprava mais forte que o habitual. No quarto, no andar superior da casa, ela logo se lembrou de um romance lido ainda na infância,
Ana Terra, escrito por Érico Veríssimo, quando a personagem associava a ventania a um evento significativo em sua vida. Na obra, Ana divagava: “Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando”. Cercada de livros, a dona daquela casa buscava na memória uma personagem para cada ocasião e era capaz de lembrar-se de trechos inteiros das obras que havia lido.
Ao retornar daquele momento de distração, notou que o companheiro não estava no quarto. Então, desceu as escadas silenciosamente, certa de que o encontraria no mesmo lugar de sempre.
Na sala, o sofá cuidadosamente posicionado era testemunha de que alguém costumava sentar-se ali diariamente para admirar as luzes que brilhavam na árvore montada ainda em meados de novembro, para que a magia permanecesse por mais tempo. Na penumbra, ela o viu. Em silêncio, aconchegou-se ao lado dele, e, abraçados contemplaram juntos as luzes de Natal. Havia paz e segurança naquele gesto de carinho. Lá fora, a ventania. E ela teve certeza de que Ana Terra tinha razão. Outrora, os ventos haviam também lhe trazido algo importante e duradouro. Ali, naquele abraço, estava seu tesouro, onde repousava seu coração.
Por Tânia Lins
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