O Criosfera 1, módulo brasileiro de monitoramento das mudanças climáticas globais, localizado no Centro da Antártica, completou 10 anos. Nessa década, realizou, de forma ininterruptas, atividades científicas que repercutiram em alarmes como ondas de calor e vulcões submarinos em atividade; ou em uma série de artigos publicados sobre a evolução do manto de gelo e sobre potencial microbiológico do gelo Antártico.
"A cada ano, temos dezenas de perguntas para refletir e, com as respostas, novas perguntas surgem. Um ciclo que não acaba. Um exercício fantástico e, acho, que a gente pode ficar trabalhando lá a vida inteira", afirma Heitor Evangelista, professor do Departamento de Biofísica e Biometria da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenador científico do Criosfera 1. Em 2022, os equipamentos do módulo detectaram a maior onda de calor no setor Oeste da Antártica. No mesmo ano, o laboratório foi um dos primeiros da Antártica a registrar a onda de choque de pressão do vulcão submarino Hunga, em Tonga, no Oceano Pacífico. Os dados coletados por lá também auxiliaram na calibração de testemunhos de gelo sobre as temperaturas do passado. Este tipo de pesquisa permite que cientistas brasileiros monitorem e montem cenários sobre a evolução do manto de gelo Antártico, onde concentra-se 90% do gelo do planeta. Além disso, conseguem vislumbrar possíveis consequências para o nível médios dos mares no caso de derretimento parcial, o que significa impacto na costa brasileira. O Criosfera 1 contribuiu ainda com estudos sobre a microbiologia no gelo da Antártico, suas características e potencial biotecnológico. Vale esclarecer que gelo por lá é uma matriz de reconhecido potencial biotecnológico quando se trata de microrganismos extremófilos. Na última década, ocorreram significativos avanços da microbiologia polar brasileira, com o apoio do Proantar, nas Ilhas Shetlands. E quando se pensa em mais perguntas, com certeza amostras coletadas no Criosfera 1 poderão, no futuro, ampliar o conhecimento sobre o tema e vislumbrar novas aplicações para a sociedade. No campo de pesquisas sobre tempestades e furacões, Evangelista explica que conseguiram identificar a capacidade de ciclones extra-tropicais no transporte intercontinental de material biológico como pólens, esporos, fungos e fragmentos de algas e, assim, descrever como em um mundo mais quente, a dispersão biológica ocorre entre os diferentes continentes. O Criosfera 1 reúne um consórcio de pesquisadores da Uerj, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), além de outros usuários da plataforma científica como a Universidade de São Paulo (USP), Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que também usufruem das instalações do laboratório e sua posição geográfica. E todas as conquistas científicas só foram viabilizadas com investimentos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), CNPq/Proantar, Comissão Interministerial para Recursos do Mar, Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), FAPERJ e Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Fapergs). O módulo brasileiro é dotado de sistemas eólico e solar que permitem funcionamento de forma ininterrupta, durante verões e invernos, demandando apenas uma curta manutenção de 20 dias no mês de janeiro de cada ano, quando os pesquisadores rumam para lá e cuidam das instalações, sem descuidar do meio ambiente local. Os pesquisadores contam que os resíduos e dejetos humanos são embalados para descarte na volta, gerando o menor impacto possível do homem no continente Antártico e garantindo assim sua sustentabilidade. A plataforma científica multiusuária e multidisciplinar inclui estudos a partir da composição química da atmosférica (aerossóis totais, CO2 e todos os dados meteorológicos básicos) e sua relação com o manto de gelo. A partir da missão 2022 e 2023, passou também a transmitir dados de radiação UV-A e UV-B e ozônio de superfície, se transformando assim numa das maiores bases de química da atmosfera antártica, no Centro da Antártica. Do velho continente para o gelo – A montagem desse laboratório avançado foi uma árdua tarefa e é resultado de 30 anos do Programa Antártico Brasileiro, a partir da criação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT-Criosfera) – uma iniciativa inédita do MCTI. O módulo polar foi construído em uma pequena cidade na Suécia, chegou ao Brasil de navio, percorreu as estradas brasileiras, argentinas e chilenas até chegar em Puntarenas e embarcar em um avião russo, em 2012. Evangelista detalha ainda que o Criosfera 1 foi montado há 2.500 quilômetros da Estação Comandante Ferraz, em um local onde os cientistas apelidaram de “Sertão Antártico”, pois não há presença humana ali como acontece na estação brasileira. Hoje, sua base de dados pode ser acessada através do Instituto Nacional de Meteorologia, British Antarctic Survey e Pangea – o maior banco de dados paleoclimáticos do mundo –, além de estar cadastrada na Organização Mundial de Meteorologia. Nessa década, se tornou uma referência como módulo de pesquisa, autônomo, remoto e capaz de armazenar e transmitir dados em tempo real a partir de um dos locais mais importante para nosso entendimento das mudanças climáticas da era moderna e a questão da elevação do nível dos oceanos. Fonte: Faperj
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