O local onde a tartaruga gigante foi encontrada é prospectado por paleontólogos desde 1978 e recebeu outras expedições em 1981, 1990, 2002 e 2022. Nesta última, pesquisadores encontraram apenas dentes de macacos e de gambás.
“Por experiência de coletas passadas, a gente não esperava algo tão completo e tão grande como foi essa. Nessa região há muitos fósseis, mas geralmente estão fragmentados”, afirma Carlos D’Apolito Júnior, professor do Centro de Ciências Biológicas e da Natureza da Ufac, um dos coordenadores da expedição.

Carlos D’Apolito Júnior é professor da Universidade Federal do Acre – Foto: Arquivo pessoal
“O que a gente encontrou não é nem metade do que seria o tamanho completo da tartaruga. Embora ela esteja fragmentada, é um achado sensacional para a gente, porque nunca tivemos uma tartaruga dessa espécie preservada”, destaca Annie Schmaltz Hsiou, do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.
D’Apolito e Annie coordenam o projeto Novas Fronteiras no Registro Fossilífero da Amazônia Sul-Ocidental, apoiado pela iniciativa Amazônia+10. No contexto do projeto, o grupo já realizava escavações na região de Boca dos Patos, em Assis Brasil, e deve ampliar a busca por registros paleontológicos em locais remotos e ainda inexplorados.
O projeto conta com o apoio de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais (PIQCT), considerados igualmente “integrantes, pesquisadores e detentores de conhecimentos tradicionais”, destaca a professora. Ela explica que as escavações acontecem com o apoio de barqueiros, de lideranças locais da Reserva Extrativista Chico Mendes e integrantes da Comunidade Indígena Nova União.

Annie Schmaltz Hsiou é professora da USP em Ribeirão Preto – Foto: Arquivo pessoal
Em entrevista ao Jornal da USP, Annie contou que o material segue no território encontrado e mantido seguro pelos parceiros locais, até que o apoio da universidade no Acre consiga fazer a remoção. “É um lugar de difícil acesso, são sete horas de viagem até a cidade, e o trabalho de campo acontece em condições extremas.”


O trabalho é fruto da colaboração entre cientistas, indígenas, quilombolas e ribeirinhos em um local de difícil acesso – Fotos: Cedida pelos pesquisadores
Megafauna sul-americana
Os pesquisadores já vêm trabalhando na datação mineral da geologia da região, com cristais de zircão (considerado um dos mais antigos minerais da Terra) encontrados em sedimentos e rochas sedimentares. Para o professor da Ufac, o fóssil amazônico é um indício de que animais da megafauna brasileira conseguiram estender sua sobrevivência por mais tempo do que se pensava. “Temos registros mais antigos desse animal e a gente vai poder comparar com materiais mais antigos da Venezuela, com novos elementos da anatomia do casco”, explica D’Apolito.
Ele se refere a uma publicação de 2020, quando pesquisadores relataram a descoberta de fósseis da Stupendemys geographicus na Colômbia e na Venezuela, com um comprimento de 2,4 metros de carapaça e massa estimada em mais de uma tonelada. De acordo com o artigo, a tartaruga poderia ser do grupo Pleurodira (cujo pescoço se articula para lateral), do tipo snapping turtle (mordedora), com um sistema de alimentação por sucção e capaz de capturar e reter presas de grande porte, incluindo peixes, jacarés e serpentes.
“Essa interpretação é questionável, contudo, o nosso achado não tem crânio, e fica difícil afirmar como era sua alimentação”, aponta Annie. D’Apolito concorda que não se pode ter certeza sobre os hábitos do animal, mas é possível inferir com base em seus parentes atuais — as tartarugas tracajás (Podocnemis unifilis). “Provavelmente era um animal onívoro e comia de tudo: vegetais, moluscos, crustáceos e outros vertebrados, na medida do possível. Era um animal muito grande, precisava comer muito.”
O fóssil encontrado em terras brasileiras também poderá revelar informações sobre o clima, a geografia e até confirmar se os outros exemplares encontrados na América do Sul são da mesma espécie. “Isso é muito interessante, porque daí a gente fala de especiação, de conexão hidrológica, porque são animais que estavam vivendo em corpos de água muito mais volumosos no passado do que hoje. E também até quando essas comunicações duraram, para a gente entender a diversidade e as paisagens do passado”, diz D’Apolito.
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